Muito
Além do Previsível
por
Fábio Dantas
Artistas são seres especiais. Inquietos, inventivos, às vezes inconstantes, sempre tentando atingir o equilíbrio entre o mundo de todos e o seu mundo particular, navegando entre o real e o imaginário, sempre recolhendo estrelas... Ou como diria o poeta Manoel de Barros : "Meu filho, você vai ser poeta/ Você vai carregar água na peneira a vida toda/ Você vai encher os vazios com suas peraltagens/ E algumas pessoas vão te amar por seus despropósitos". Mais que excentricidade ou afetação, artistas pensam, percebem e sentem de outra forma.
Ambrosina, protagonista de A
Moça da Cidade, não é uma artista; mas tem em comum com estes todas as
características citadas acima. Imigrante nordestina, sonha desbravar e
conquistar o Rio de Janeiro, e ainda encontrar o amor. Rodrigo Pandolfo,
diretor de A Moça da Cidade, é um artista. É um cantor bissexto. Mais
que tudo, é um ator excepcional, um dos grandes a surgir em muito tempo, que
causou forte impacto em Cine-Teatro Limite, de Pedro Brício, e O
Despertar da Primavera, versão brasileira de Charles Möeller e Claudio
Botelho para Spring Awakening, de Duncan Sheik e Steven Sater, versão
musical da obra de Frank Wedekind, de sucesso triunfal na Broadway . Um jovem
ator superlativo assim já é algo extremamente raro. Quando além disso, ainda
arrisca sair de sua zona de conforto, em plena curva ascendente de sua
carreira, e decide se aventurar na direção tão cedo, é um fato a ser
comemorado. Tal qual Ambrosina, Pandolfo quer ir além...
Rodrigo Pandolfo, estreando na direção |
O
texto de Anderson Bosh trata do ir além almejado pela protagonista. Esse se dá
metalinguisticamente, através da radionovela A Moça da Cidade, que conta as
desventuras de Ambrosina no Rio de
Janeiro. A ideia é bastante interessante e, valoriza bastante o texto de
estrutura extremamente simples. São claras as referências e alusões para com A
Hora da Estrela, romance de Clarice Lispector. Certamente o recurso de
metalinguagem da radionovela dentro da peça enriquece bastante a estrutura
dramática do texto.
Radionovela versus Vida Real |
É absolutamente bonita e inteligente a estreia de Pandolfo na direção.
Com todos os elementos exacerbados que o texto traz, quase uma ode ao kitsch,
seria muito fácil a montagem cair na caricatura. A mão precisa do diretor não
permite que isso aconteça em momento algum. Há muito humor, há o patético, há o
ridículo, há o clichê, mas tudo conduzido com extrema maturidade e sobriedade,
formando um conjunto realmente surpreendente. Há o uso de projeções em telão,
item que parece ter se tornado obrigatória em quase todas as montagens
teatrais, mas mesmo esse recurso acaba contando pontos a favor, como em uma
irresistível cena de Um Bonde Chamado Desejo (A Streetcar Named Desire),
adaptação cinematográfica de Elia Kazan para a peça de Tennessee Williams, onde
Ambrosina contracena com o Stanley Kowalski de Marlon Brando. O diretor também
é o responsável pela escolha da trilha sonora do espetáculo, que obviamente remete
ao período das radionovela e do cancioneiro brega-romântico brasileiro. O tom
que Pandolfo imprime ao espetáculo é extremamente elegante, enaltecendo os
elementos nostálgicos do texto e respeitando as características dos
personagens, especialmente nos momentos dramáticos, especialmente no final.
Ambrosina (Lu Camy), encantada com Marlon Brando em Um Bonde Chamado Desejo |
O
elenco conciso rende muito bem e está muito afinado e adequado aos seus
personagens. Dida Camero (na temporada que estreia hoje substituída por Victor
Varandas) é uma atriz extremamente interessante, de presença forte, que
preenche o palco com intensidade. Gabriel Delfino Marques resolve muito bem as
diferenças entre os diferentes homens de Ambrosina, seja o amante idealizado e
irreal, seja o verdadeiro apaixonado, que ao se desnudar afetivamente para a
protagonista oferece um dos momentos mais pungentes e bonitos da peça. Lu Camy,
como a protagonista, enfrenta o desafio de desenvolver um personagem que vive o
tempo todo no limiar do caricato, e se sai muito bem, evitando qualquer nota
fora do tom e driblando com inteligência as armadilhas que encontra pelo
caminho. No final, particularmente, assume um ar severo que mostra o autoridade
e segurança sobre as diversas fases de seu personagem.
Camero, Cammy e Marques embarcam e felizes vão... |
Marques e Camy: desenganos do amor |
Ambrosina e sua ânsia de ir além |
A MOÇA DA CIDADE
Texto: Anderson Bosh
Direção: Rodrigo Pandolfo
Elenco: Lu Camy, Gabriel Delfino Marques e Victor Varandas (na temporada atual, substituindo Dida Camero)
Direção musical: Marcelo Alonso Neves
Trilha sonora: Rodrigo Pandolfo
Preparadora corporal: Ana Achcar
Direção de movimento e coreografias: Victor Maia
Iluminador: Tomás Ribas
Cenário: Miguel Pinto Guimarães
Figurino: Bruno Perlatto
Visagismo: Sid Andrade
Direção de vídeo: Felipe Bond
Direção de produção: Tatianna Trinxet
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