terça-feira, 13 de janeiro de 2015

A MOÇA DA CIDADE





Muito Além do Previsível


por Fábio Dantas


               Artistas são seres especiais. Inquietos, inventivos, às vezes inconstantes, sempre tentando atingir o equilíbrio entre o mundo de todos e o seu mundo particular, navegando entre o real e o imaginário, sempre recolhendo estrelas... Ou como diria o poeta Manoel de Barros : "Meu filho, você vai ser poeta/ Você vai carregar água na peneira a vida toda/ Você vai encher os vazios com suas peraltagens/ E algumas pessoas vão te amar por seus despropósitos". Mais que excentricidade ou afetação, artistas pensam, percebem e sentem de outra forma.                        
               Ambrosina, protagonista de A Moça da Cidade, não é uma artista; mas tem em comum com estes todas as características citadas acima. Imigrante nordestina, sonha desbravar e conquistar o Rio de Janeiro, e ainda encontrar o amor. Rodrigo Pandolfo, diretor de A Moça da Cidade, é um artista. É um cantor bissexto. Mais que tudo, é um ator excepcional, um dos grandes a surgir em muito tempo, que causou forte impacto em Cine-Teatro Limite, de Pedro Brício, e O Despertar da Primavera, versão brasileira de Charles Möeller e Claudio Botelho para Spring Awakening, de Duncan Sheik e Steven Sater, versão musical da obra de Frank Wedekind, de sucesso triunfal na Broadway . Um jovem ator superlativo assim já é algo extremamente raro. Quando além disso, ainda arrisca sair de sua zona de conforto, em plena curva ascendente de sua carreira, e decide se aventurar na direção tão cedo, é um fato a ser comemorado. Tal qual Ambrosina, Pandolfo quer ir além...

Rodrigo Pandolfo, estreando na direção
                O texto de Anderson Bosh trata do ir além almejado pela protagonista. Esse se dá metalinguisticamente, através da radionovela A Moça da Cidade, que conta as desventuras de Ambrosina no Rio de Janeiro. A ideia é bastante interessante e, valoriza bastante o texto de estrutura extremamente simples. São claras as referências e alusões para com A Hora da Estrela, romance de Clarice Lispector. Certamente o recurso de metalinguagem da radionovela dentro da peça enriquece bastante a estrutura dramática do texto.
Radionovela versus Vida Real
                 É absolutamente bonita e inteligente a estreia de Pandolfo na direção. Com todos os elementos exacerbados que o texto traz, quase uma ode ao kitsch, seria muito fácil a montagem cair na caricatura. A mão precisa do diretor não permite que isso aconteça em momento algum. Há muito humor, há o patético, há o ridículo, há o clichê, mas tudo conduzido com extrema maturidade e sobriedade, formando um conjunto realmente surpreendente. Há o uso de projeções em telão, item que parece ter se tornado obrigatória em quase todas as montagens teatrais, mas mesmo esse recurso acaba contando pontos a favor, como em uma irresistível cena de Um Bonde Chamado Desejo (A Streetcar Named Desire), adaptação cinematográfica de Elia Kazan para a peça de Tennessee Williams, onde Ambrosina contracena com o Stanley Kowalski de Marlon Brando. O diretor também é o responsável pela escolha da trilha sonora do espetáculo, que obviamente remete ao período das radionovela e do cancioneiro brega-romântico brasileiro. O tom que Pandolfo imprime ao espetáculo é extremamente elegante, enaltecendo os elementos nostálgicos do texto e respeitando as características dos personagens, especialmente nos momentos dramáticos, especialmente no final.      

Ambrosina (Lu Camy), encantada com Marlon Brando em Um Bonde Chamado Desejo

               O elenco conciso rende muito bem e está muito afinado e adequado aos seus personagens. Dida Camero (na temporada que estreia hoje substituída por Victor Varandas) é uma atriz extremamente interessante, de presença forte, que preenche o palco com intensidade. Gabriel Delfino Marques resolve muito bem as diferenças entre os diferentes homens de Ambrosina, seja o amante idealizado e irreal, seja o verdadeiro apaixonado, que ao se desnudar afetivamente para a protagonista oferece um dos momentos mais pungentes e bonitos da peça. Lu Camy, como a protagonista, enfrenta o desafio de desenvolver um personagem que vive o tempo todo no limiar do caricato, e se sai muito bem, evitando qualquer nota fora do tom e driblando com inteligência as armadilhas que encontra pelo caminho. No final, particularmente, assume um ar severo que mostra o autoridade e segurança sobre as diversas fases de seu personagem.

Camero, Cammy e Marques embarcam e felizes vão...

Marques e Camy: desenganos do amor
Ambrosina e sua ânsia de ir além
              A Moça da Cidade é uma grata surpresa, mostrando que boas ideias podem ser muito bem executadas, mesmo que com simplicidade. E uma belíssima estreia na direção para Rodrigo Pandolfo, que certamente pode almejar muito mais que ser o brilhante ator que já é.



A MOÇA DA CIDADE


Texto: Anderson Bosh

Direção: Rodrigo Pandolfo

Elenco: Lu Camy, Gabriel Delfino Marques e Victor Varandas (na temporada atual, substituindo Dida Camero)

Direção musical: Marcelo Alonso Neves

Trilha sonora: Rodrigo Pandolfo

Preparadora corporal: Ana Achcar

Direção de movimento e coreografias: Victor Maia

Iluminador: Tomás Ribas

Cenário: Miguel Pinto Guimarães


Figurino: Bruno Perlatto

Visagismo: Sid Andrade

Direção de vídeo: Felipe Bond

Direção de produção: Tatianna Trinxet



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