Dama de Ferro em Versão Enferrujada
por Fábio Dantas
Margaret Tatcher foi uma das mais importantes líderes políticas do último século. Controversa, firme, tradicional, com detratores ferozes e simpatizantes ardorosos, conseguiu com mão férrea restabelecer a econimia inglesa após a Crise do Petróleo, obteve a além da vitória britânica na Guerra das Falklands, escapou de uma tentativa de assassinato, foi forte opositora da URSS, coibiu greves, apertou impostos como nunca antes, e foi chefe do governo até hoje considerado dos mais austeros do Reino Unido. Ainda assim, a A Dama de Ferro tornou-se não apenas a primeira mulher a a ser primeira-ministra do Reino Unido, como o foi por três mandatos (1979-1990), sendo seu governo o mais longevo da História do Reino Unido. Como todos os grandes líderes, teve uma carreira intensa, e naturalmente uma vida pessoal proporcional a isso. Partidários ou detratores de seu não poderiam negar sua importância indiscutível como um dos líderes políticos seminais do século XX. Bem, ao que tudo indica, todos sabem disso, exceto Phyllida Lloyd, a diretora deste A Dama de Ferro (The Iron Lady) , que quis mostrar - melhor dizer, inventar - uma Margaret Thatcher (vivida pela grande Meryl Streep) inteiramente nova e toda dela. Sim, quando vemos em uma cena repentina Dennis Thatcher (Jim Broadbent) surgindo por trás de Margaret e a assustando (e ao público também) com um apito ou língua de sogra, temso certeza do tom e do nível do que está por vir.
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Margaret Thatcher em pose solene |
Uma biografia que pretenda mostrar toda a vida do seu personagem é ingênua, pois todo esse material - ainda mais de um personagem conhecido mundialmente - não poderá ser condensado com mérito em um filme de algumas horas. Então, toda biografia exige um recorte, um olhar sobre um ponto específico que será o detonador da trama que apresenta. Recentemente, esse recurso foi usado em vários filmes, como
Elizabeth, de Shekhar Kapur , que trata dos anos verdes, da jovem rainha antes de tornar-se Elizabeth I, A Rainha Virgem;
A Rainha (The Queen), de Stephen Frears, sobre a reação e postura de Elizabeth II diante do acidente que tirou a vida da Princesa Diana; e
Invictus, de Clint Eastwood, onde o recém empossado Presidente Nelson Mandela usa o Rugby como catalisador do sentimento e identidade nacional da África do Sul. São recortes específicos, onde o personagem biografado inevitavelmente surgirá. Pois bem, o recorte - se é que assim podemos chamar - desse desastre que tenta se passar por filme chamado
A Dama de Ferro, não é apenas equivocado e catastrófico, mas um acinte e desrespeito completo à figura de Thatcher, personagem que deveria retratar, parcialidades ou não à parte, no mínimo com fatos reais e comprovados.
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Thatcher iniciando sua carreira no parlamento... |
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...e já como Ícone do Reino unido |
A Margareth Thatcher que vemos em cena é uma senhora senil e perturbada, que passa os dias discutindo com o fantasma do marido, descabelada e desmemoriada. Nada contar mostrar Thatcher idosa e já na fase da demência, mas fazer disso a tônica e o fio condutor do filme é uma opção absurda e sem sentido algum. Contudo, o fato é ainda mais grave e inexplicável, pois as mal traçadas e desconexas linhas que deveriam formar um roteiro, não são baseadas em qualquer material oficial publicado ou autorizado por Thatcher ou sua família. Ou seja, os devaneios que vemos em mais da metade do filme, são opção desse canhestro roteiro e da Sra. Phyllida Lloyd, diretora amadora que estreou com
Mamma Mia!, o filme pavoroso que destruiu a excelente idéia de um filme alinhavado pelas canções do grupo sueco ABBA, e que põe atores talentosos como Meryl Streep, Colin Firth, Julie Walters e Christine Baranski em ridículo. Agora, Sra. Lloyd deu um passo mais ambicioso e decidiu esculachar e ridicularizar Margaret Thatcher impiedosamente, sem qualquer respaldo ou justificativa.
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A Dama de Ferro justificando seu apelido | | | | | | |
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Sob qualquer prisma, A Dama De Ferro é um desastre cinematográfico. Com edição desconexa em idas e vindas no tempo sem ritmo e trilha sonora cafona disparando nos momentos em que pretende gritar por nossa atenção, tudo soa equivocado e fora de tom. A massaroca que supomos um dia deva ter pretendido ser um roteiro é algo pífio, mal acabado e sem continuidade, não mostrando em nada a força de Thatcher como mulher ou estadista e osconflitos que certamente surgiram do embate entre estes dois lados. Mas o roteiro-massaroca parece pensar que basta mostrar uma cena de ligações de Thatcher para o filho que mora longe para isso. Ou alternar abruptamente de uma cena em que Thatcher solta com fúria um "afunde todos" se referindo aos navios argentinos na Guerra das Malvinas e na cena seguinte escreve chorando cartas de próprio punho às mães dos soldados mortos na ação. Falar qualquer coisa mais sobre a tentativa de direção de Phyllida Lloyd seria humilhar mais ainda esta pessoa, que pode e deve procurar sucesso em sua vida pessoal e profissional em qualquer outro campo, mas não no cinema, pois é assombrosamente ruim e totalmente incapaz de traduzir em um plano sequer o que seja cinema. A atriz Alexandra Roach que interpreta a jovem Thatcher é insossa e desisteressante, mas ao menos é melhor que Harry Lloyd, que interpreta Denis Thatcher quando jovem, absolutamente pavoroso e constrangedor. A única razão para assistir esta tralha, além da qualidade da maquiagem premiada de Mark Coulier e J. Roy Helland, são os desempenhos de Meryl Streep e Jim Broadbent, como o casal central. Broadbent, do extraordinário
Moulin Rouge!, de Baz Luhrmann e vencedor de um Oscar por
Iris, de Richard Eyre, atinge um grande feito em mostrar talento insuspeito e profissionalismo ímpar ao conseguir defender com dignidade seu Denis, um personagem que a rigor não faz qualquer sentido. Feito notável e adimirável. Meryl Streep, atriz soberba, merece louros por fazer o mesmo com sua Margaret, com nuances impressionanates das várias fases de sua personagem, e mais ainda se considerarmos que não teve amparo algum para fazer tudo que fez, já que não conta com roteiro ou direção. Contudo, é lamentável saber que Streep ganhou seu terceiro Oscar por um filme tão ruim e por um desempenho apenas bom, mas muito aquém de outras performances excepcionais, que mereciam muito mais. Se era para dar um Oscar por qualquer filme, que dessem pelo simpático
Julie & Julia, de Nora Ephron, que pode ser uma comédia leve e despretensiosa, mas ao menos é um filme de verdade. Atrizes do porte de Streep deveriam ter mais bom senso so escolher seus diretores, ainda mais se já trabalharam com estes previamente. Agora é tarde demais, seu terceiro Oscar já veio, mas com essa mancha historiográfica.
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Denis e Margaret em triunfo: as performances de Jim Broadbent e Meryl Streep... |
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...e a maquiagem são os únicos méritos de um filme desastroso. |
A Dama de Ferro é um filme abjeto, fraco e torpe, que além de ser amador sob qualquer aspecto, ainda ridiculariza e humilha sua biografada como poucas vezes foi visto na História do Cinema. Um filme desprezível, condizente com a máxima de que certos filmes nem deveriam ser realizados.
Concordo com sua crítica, acho que foi jogado no lixo uma oportunidade de fazer um filme forte sobre a história de uma mulher tão marcante, tantos fatos relevantes, em troca de algo tão pessoal e não real!! Se eu fosse da família Thatcher estaria muito infeliz por ter um filme que usa de uma doença tão complicada pra compor um filme ao invés de usar fatos históricos muito mais interessantes!!
ResponderExcluirAdorei ler sua critica!!!
ResponderExcluirFlapp, já me emocionei com várias críticas suas (de "Midnight in Paris", "The Help", "Os Descendentes"); Você sabe o quanto sou fã dos seus textos, sempre tão bem escritos e prazeirosos de ler, mas essa da "The Iron Lady" foi um caso à parte: a primeira crítica sua que eu chorei (mas de rir). Não que esteja mal escrito, mas pelas cenas do filme que você descreve (como a do susto que o marido dá na protagonista), acho que quem está senil não é a personagem, mas sim a diretora. Essa tal Phyllida Lloyd deveria fazer filmes que estejam à altura de seu parco talento e não se aventurar por assuntos complexos que não estejam ao seu alcance. Ri muito com esse texto, mas também, acho que o filme colabora para isso (rsrs).
ResponderExcluirCurioso para ler o seu texto do belíssimo, "A Invenção de Hugo Cabret". Esse sim, um filme de verdade.
Abraços, amigo e parabéns pelo divertido texto de "The Iron Lady" (ao menos você tornou o sofrimento de ver esse filme em algo agradável, rsrs).
Salam, Fábio! Adorável o seu texto. E ainda bem que eu não assisti ao filme, pois respeito muito a imagem de Margareth e pelo visto, esse filme denigre a sua imagem.
ResponderExcluirÉ uma pena que a diretora, mesmo sendo uma mulher profissional, tenha uma visão "do machista bêbado", aquela visão deturpada das coisas...rsrsrsrsr
Ótimo o seu site, visite o meu blog e comente também,
até breve,
http://denisebomfim.blogspot.com