Longa Jornada Encantada Meia-Noite Adentro
por Fábio Dantas
Artistas são mágicos. São reinventores da vida, oras pelo viés da realidade, ora pelo devaneio da ilusão. Através dos séculos, criam suas obras que serão ou não legitimadas por sua qualidade, que sobreviverão ou não à pátina do tempo. Contudo, quando adentram no Olimpo dos Grandes, tornam-se eternos. Sempre discutidos, sempre amados, ás vezes detestados, mas sempre atuais e perenes. Se a eternidade entre os homens aqui na Terra não existe, os artistas são, mais que todos os grandes nomes da humanidade, os que mais perto disso chegam. O quão grandioso seria podermos reunir os grandes escritores, atores, diretores de cinema, cantores, pintores, escultores, dançarinos, os maiores Gênios Artísticos, juntos, como que encantados, em um mesmo momento?
Gil e seus novos amigos em passeio à meia-noite |
Gil e Adriana: Poeta e Musa Inspiradora |
Woody Allen é um mágico. Trata dos mais variados temas da vida – amor, sexo, doenças, morte, destino, acaso, perdão – com um olhar único que discorre sobre nossas inquietações, aspirações, medos, inseguranças, sonhos e arroubos apaixonados. Transforma nossa realidade em um sonho de possibilidades infinitas, equlibrando como poucos realidade e sonho. Ou o sonho mais próximo do possível e a realidade mais próxima do sonho. É o que faz, sutilmente, em seu primeiro grande filme, Noivo Neurótico, Noiva Nervosa (Annie Hall), vencedor dos principais Oscars de 1977, modifica a final da peça baseada na história do filme, fazendo o casal – ele e Annie (sua Musa Diane Keaton) – ficar junto. É o que faz, antes, em mesmo disso, em Sonhos de um Sedutor (Play it again, Sam), de Herbert Ross, roteirizado por Allen e baseado em sua peça, parte de Casablanca e conta com a ajuda do astro Humphrey Bogart para conquistar sua amada (novamente Keaton). É o que faz em Zelig, ao criar um documentário fictício sobre um homem que se metamorfoseia em qualquer pessoa e interage grande vultos da História. E é o que faz de forma mais radical em A Rosa Púrpura do Cairo (The Purple Rose of Cairo), levando a sonhadora Cecília (Mia Farrow) a viver um romance com o herói de seu filme favorito, Tom Baxter, que sai das telas para a vida real por sua causa. O quão inacreditável seria poder transitar livremente pelo universo real e pelo universo dos sonhos?
Mestres em ação: F. Scott Fitzgerald e sua Zelda |
Mestres em ação: Ernest Hemingway |
Meia-Noite em Paris (Midnight in Paris) é pura mágica! Quando Gil (Owen Wilson), roteirista de sucesso no cinema, mas ainda tentando se estabelecer como escritor, viaja com sua noiva Inez (Rachel McAdams) e com os pais desta em uma viajem a negócios para Paris, esperava apenas um breve interlúdio – possivelmente propício para inspiração, possivelmente propício para a relação com Inez -, em sua rotina. Porém, não esperava se apaixonar pela cidade-luz. Lá, diante de sua noiva fútil e chata, seus pais críticos e a cobrança para aceitar a realidade de ganhar milhões escrevendo roteiros e abrir mão do sonho de ser um romancista respeitado, Gil sente-se tão só como antes, tendo apenas o consolo de sentir-se assim agora em Paris. Em um solitário passeio noturno, Gil pega uma carona de um grupo, exatamente à meia-noite. Ele se vê trans portado para a Era Dourada da Paris de 1920. E percebe que naquele seleto grupo estão muitos dos maiores artistas da época: Francis Scott Fitzgerald (Tom Hiddleston) e sua mulher Zelda (Alison Pill), Ernest Hemingway (Corey Stoll), Cole Porter (Yves Heck), Pablo Picasso (Marcial Di Fonzo Bo), Gertrude Stein (Kathy Bates), Salvador Dalí (Adrien Brody), T.S. Eliot (David Lowe), Luis Buñuel (Adrien de Van), Henri de Toulouse-Lautrec (Vincent Menjou Cortes), Henri Matisse (Yves-Antoine Spoto), Edgard Degas (François Rostain), Joséphine Baker (Sonia Rolland) e muitos mais. Lá conhece também Adriana (Marion Cotillard), uma jovem belíssima e encantadora, amante de Picasso e depois de Hemingway. A Musa perfeita, que logo conquista o coração do escritor. Então, Gil adentra em um mundo inteiramente novo, que tanto pode ser sua última chance de encontrar a inspiração perdida para escrever como para redirecionar sua própria vida.
Gil em dois momentos: se surpreendendo ao lado de Hemingway e Gertrude Stein... |
...e conhecendo a Belle Epoque com Adriana. |
Magia e encantamento permeiam cada fotograma de Meia-Noite em Paris. A jornada de Gil através do tempo, dos ídolos, dos Mitos, paralela à sua jornada pessoal, como escritor e indivíduo, se dá com inteligência, charme, leveza e humor. Allen presta uma das mais belas declarações de amor que Paris já recebeu no cinema, e isso é especialmente interessante por vir de um cineasta tão americano, lendário cidadão e ícone de Nova York. A inserção dos Grandes Mestres na vida de Gil ocorre com tamanha fluência e naturalidade que logo estamos com ele naquele universo mágico. A maestria do roteiro de Allen é tamanha que, mesmo vindo do roteirista que para muitos é o mais inventivo da segunda metade do século passado, com o recorde absoluto de quatorze indicações ao Oscar, deixa todos atônitos e perguntando se pode ser real de tão perfeito. E o elenco impressionante, mesclando astros consagrados e iniciantes, dignifica cada linha, cada enquadramento, cada luz e sombra delineada pelo Maestro. Dentre tantos, destaque para a luminosa Marion Cotillard, e ainda Adrien Brody, Kathy Bates, Corey Stoll, além do protagonista Owen Wilson, que encara com louvor e brilho o personagem Alleniano que na verdade só Allen pode desempenhar. Realizar uma obra como essa aos setenta e seis anos de idade, com tanto frescor e vigor, é tarefa que apenas o maior cineasta vivo poderia executar.
Meia-Noite em Paris é uma das mais encantadoras, simples e por isso mesmo, triunfais mágicas de Woody Allen.
* Ficha Técnica no IMDb: http://www.imdb.com/title/tt1605783/